quarta-feira, 6 de abril de 2022

O esfriar da espiritualidade

 Ao meditar sobre o que leva o homem a se afastar da vida religiosa e espiritual, questiona-se a razão pela qual isso acontece. De diversos motivos, existe uma via importante a se explorar: o esquecimento do pecado, do mal, e suas consequências.

Inicialmente deve-se lembrar que foi através pecado original que o homem traiu a vontade divina. Isso porque Deus garantiu ao homem a razão, a consciência, a liberdade, cujo pensar, julgar e agir o possibilitam aderir ao Seu plano ou a outros distintos.


Frans Floris (1517-1570)


Após esta queda, Deus continuou a guiar e a amar seu povo, fazendo-lhe promessas e dando-lhe leis para que pudessem se reconciliar com Ele. Exemplo disto são os Dez Mandamentos.

Estas ordenações dadas por Deus são de forte conteúdo moral, que orientam as práticas da vida. Se Deus é o Sumo Bem, tudo o que vem dele é Bom, é Luz. Afastar-se desta Luz, que é a Verdade, é rumar à escuridão, ao mal, ao pecado.

Afastar-se da vida religiosa e espiritual é, antes, deixar-se perder a luz, e perder a noção do que vem a ser o mal e o pecado.

Ora, mas que mal e que pecado pode ter cometido o homem ao comer um mero fruto? De fato o mal e o pecado entram com esta suavidade, de maneira imperceptível.

O julgar, o pensar e o agir do homem, ao invés de seguirem a orientação do alto, seguem agora outro julgamento: o da ciência, daquilo que é possível provar. Ora, “que fruto gostoso, só me senti mais dono de mim – posso e quero mais”. E é justamente este o gosto inicial do mal e do pecado, eles seduzem o homem.

A exemplo: comer pouco não mata a fome, mas é difícil achar o meio termo no comer. A grande disponibilidade de alimentos geralmente faz com que se coma além do necessário. O que era a justa medida agora passa a ser um desvio; dormir é necessário, mas costuma-se nos dias de hoje dormir pouco, o que gera ira, ou dormir demais, que leva à preguiça.

É interessante notar que o gozo inicial do comer e do dormir, apenas para se fixar nos exemplos, não são pecados em si mesmo. Porém, como parece claro, ambos possuem limites.

Assim o é com a sexualidade. Deve ser vivida de acordo com a lei divina dentro do casamento, jamais fora ou com impurezas pessoais.

Então esta via que inicialmente é lícita acaba por se tornar ilícita, por desafiar os mandamentos. E nisso se afasta responsabilidade pessoal, porque a aparência é de que não há qualquer pecado. Pensa-se que está tudo bem.

Tomás de Kempis, em A Imitação de Cristo, reforça que nem tudo que é agradável é bom, nem todo desejo é puro, nem todo que nos deleita agrada a Deus.

É aí que o homem automaticamente se vê como um ente que já não precisa mais se ordenar pelas leis de Deus, já que tudo lhe é lícito. O Apóstolo Paulo deixa claro, porém, que “Tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (1Cor 6, 12).

Perdido o discernimento do pecado, do mal, o agir mal repete-se e torne-se um vício, obscurecendo a consciência. O Papa Paulo VI disse certa vez que o pior pecado deste mundo é achar que o pecado não existe.

Então decorre um compreensível afastamento da Igreja já que esta não mais governa o homem. A submissão deixa de existir, pois ele se arroga no direito de não necessitar mais desta orientação, podendo-se conduzir sozinho.

Este esfriar da espiritualidade, então, só pode ser afastado com a retomada do seguimento da Lei em vistas de que apenas na Igreja há salvação. E não só isto! O inferno é uma realidade confirmada por Jesus Cristo, da qual se deve maximamente se afastar.

O juízo final (1535-1541)
Afresco de Michelangelo na Capela Sistina no Vaticano

Para isto, a receita é compreender que o projeto de Deus para a humanidade não está só no plano material e, ainda que assim entendido, as leis divinas servem não para restringir as potencialidades humanas, mas para dar base ao seu desenvolvimento.

Tal ventura, segundo Jesus, é razão de alegria! Seu jugo é suave e seu fardo é leve!

Assim, reconhecendo a realidade daquilo que convém ao projeto salvífico de Deus, a consequência natural é a via da reconciliação que se pode obter sacramentalmente pela confissão, o retorno para o banquete eucarístico, para o seio da Igreja, a paz da alma em cumprir a vontade do Criador.