Muito interessante a capa da última edição da revista Veja.
Não vou aqui debater o conteúdo da Revista que é lida por
muitos e detestada por outros tantos, ainda que cumpra um papel relevante no quesito investigativo.
Voltando à capa, pode-se perceber a representação de um
fuzil desenhado com borracha, lápis, um esquadro, etc. Enfim, materiais de
escritório, materiais de desenho. A frase que comenta a ilustração diz: “Às
armas, cidadãos!”
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Edição 2408 de 9 de janeiro de 2015 |
A que arma estava se referindo? Àquela de papel, caneta,
borracha, esquadro...
Os atentados em Paris chocaram o mundo e retrataram tanto o
ódio muçulmano quanto o despreparo para conter esse tipo de violência. Apesar
de vários outros atentados terroristas no mundo, inclusive mais sangrentos, este foi o último mais
comentado. A discussão gira em torno da liberdade de expressão. Será que existe
limites para a liberdade de expressão? Alguns pensam que sim, outros não.
Mas o que ocorre quando o uso da própria liberdade de
expressão possibilita a perda da liberdade propriamente dita? Foi o que
aconteceu. Neste ponto, não quero entrar no mérito se a charge deveria ter sido
ou não publicada, mas foi a liberdade de expressão da imprensa francesa que
encadeou os atentados, a privação da liberdade das vítimas, várias mortes,
inclusive.
A liberdade é o direito de primeira geração ou dimensão conquistada
pela civilização atual, luta histórica. Esta não pode ser perdida em hipótese
alguma. A perda da liberdade de expressão, que decorre da primeira, facilita a
perda da própria liberdade.
Acredito, portanto, que é necessário a manutenção da
liberdade de expressão, como garantia da própria liberdade.
A liberdade de imprensa é ruim? Merece ter limites? Aqui
caberia longa discussão. Prefiro me ater que esta é boa e não deve ter limites,
salvo aqueles do razoável.
Leonardo Boff,
em seu artigo, diz que no mundo hodierno já
existe certa censura na mídia que impede, por exemplo, a calúnia, ou seja, a
imputação da prática de um crime a alguém.
Correto entendimento do autor. Já existe certa linha que
possibilita saber o que é ou não razoável, apesar de que não concorde com a
ideia central do texto por este escrito.
Na França ocorreram, conforme noticiam as mídias,
manifestações que podem ser consideradas a maior que já existiu. Ecoou no mundo
e todos os adeptos à manutenção das liberdades se expressaram com a frase: Je
suis Charlie, que significa eu sou Charlie, nome da revista francesa. Foi,
também, uma forma de compartilhar do sofrimento que ainda paira no momento,
compaixão.
Leonardo Boff diz que ele não é Charlie. Não consegui
entender o porquê.
Stéphane Charbonnier, o Charb, que estava no comando da
mídia francesa, alvo do ataque, disse que “É preciso que o Islã esteja tão
banalizado quanto o catolicismo”.
Talvez esta frase mostre certa intolerância. Mas tudo deve
ser observado com o devido olhar. Uma coisa é uma fala, uma afirmação, uma
máxima, outra coisa é a prática da intolerância.
Na realidade, penso que a frase não tem tanta gravidade como
alguns querem pintar. A palavra ‘banalizado’ sugere interpretação pejorativa, que
a religião precisaria ser colocada à margem, esquecida. A palavra foi mal
colocada mesmo.
Mas vamos à justa interpretação, talvez aquela que ele
próprio gostaria que fosse feita. Quiçá ele deveria ter trocado ‘banalizado’ pela
palavra ‘criticado’, com a devida concordância. Aí ficaria “É preciso que o
Islã seja tão criticado quanto o catolicismo”.
Crítica! Não é o que os artistas de cinema, teatro,
musicistas, comediantes, fazem? Se a charge que foi publicada, e que gerou os ataques
terroristas, não poderia ser publicada, então o que poderia?
A crítica ao catolicismo, como se vê comumente, talvez tenha
sido o instrumento que mais proporcionou que a Igreja Católica se reinventasse.
E, graças à mídia, escândalos foram descobertos, por exemplo. Coisa que ninguém
queria falar, coisa que feria os adeptos fervorosos. Mas foi colocado o dedo na
ferida.
Já pensou se a mídia deixasse de falar em corrupção só por
conta que existe uma religião adepta a ela?
Brincadeiras a parte, mas que colaboram a crítica que se
pretende, a liberdade de expressão é necessária que seja mantida. Aquele que
abusa da liberdade de expressão, via de regra, é colocado pela própria
sociedade em seu devido lugar. Se eu faço um péssimo jornalismo, contanto
inverdades, fazendo críticas sem bom senso, de mau gosto, certamente meu
trabalho não vai ser comprado e revendido.
Afinal, o que justifica 17 assassinatos?
E, para concluir, nesta arte da crítica, a capa da última
edição da Veja foi fantástica. Sugere que não percamos o medo das nossas
atitudes, de nos expressarmos.
Às armas, cidadãos!