Trata-se de uma peça teatral escrita por ele que, ao que tudo indica, teve inspirações em outras duas obras. Ou seja, ele teria feito um apanhado do conteúdo de ambas, aperfeiçoado, o que tornou nesta interessante história que comentarei abaixo.
Em suma, o livro trata da história de um apaixonado que precisa pegar emprestado dinheiro com um amigo para ir conquistar sua amada. Seu amigo, que era cristão, não havia no momento a quantia necessária e pegou emprestado com um judeu, que era seu inimigo. No contrato, caso o cristão não pagasse ao judeu na data aprazada, o judeu poderia retirar-lhe uma libra da carne.
Pois, bem. o apaixonado conquista sua amada, mas seu amigo é colocado no tribunal pelo judeu para que pague a libra de carne. Surpreendentemente, aparece um advogado que diz que no contrato prevê que possa ser retirada uma libra de carne do cristão. No entanto, não poderia tirar nenhuma gota de sangue por não haver tal disposição. Assim, o judeu perdeu a causa e ainda teve parte dos bens confiscados. E se descobre que o advogado era a mulher conquistada pelo apaixonado que estava fantasiada, que quis ajudar seu amor a saldar a dívida com o amigo.
A obra ressalta dois temas centrais: o antissemitismo e a justiça. Ambos merecem atenção e reflexão.
Quiçá seria errôneo classificar que Shakespeare tivesse ódio pelos judeus. A obra sequer influencia tal crueldade, ainda que em certos trechos remete à compaixão dos cristãos. O que se relata, pois, é que tanto o judeu quanto o cristão brigavam e um desejava obter vantagens do outro. Nenhum tinha piedade. Frisa-se, no entanto, que existia, na época de Shakespeare, entre 1564 a 1616, uma certa aversão ao judaísmo, tendo em vista que séculos antes o povo judeu fora expulso de diversos locais da Europa. O tema merece atenção ante os fatos terroristas que, hodiernamente, preocupam a todos e que se relacionam com a temática.
Cena do Filme O mercador de Veneza |
Seguindo a reflexão da obra, agora gostaria de apresentar alguns trechos que chamaram minha atenção e que são também poéticos.
"Se fazer fosse tão fácil quanto saber o que é preferível, as capelas seriam igrejas, e as cabanas dos pobres, palácios de príncipes. O bom pregador é aquele que segue seus próprios preceitos; para mim, acharia mais fácil ensinar a vinte pessoas o caminho do bem do que ser uma dessas vinte pessoas e obedecer a minhas próprias recomendações" (p. 24)
"Sou um judeu. Então, um judeu não possui olhos? Um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões? Não é alimentado pelos mesmos alimentos, ferido com as mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelos mesmos meios, aquecido e esfriado pelo mesmo verão e pelo mesmo inverno que um cristão? Se nos picais, não sangramos? Se nos fazeis cócegas, não rimos? Se nos envenenais, não morremos? E se vós nos ultrajais, não nos vingamos? Se somos como vós quanto ao resto, somos semelhantes a vós também nisto" (p. 69-70)
"A qualidade da clemência é que não seja forçada; cai como a doce chuva do céu sobre o chão que está por debaixo dela; é duas vezes bendita; bendiz ao que a concede e ao que a recebe. É o que há de mais poderoso no que é todo-poderoso; assenta melhor do que a coroa no monarca assentado no trono. O cetro bem pode mostrar a força do poder temporal, o atributo da majestade e do respeito que faz tremer e temer os reis. Porém, a clemência está acima da autoridade do cetro; tem seu trono no coração dos reis; e um atributo do próprio Deus e o poder terrestre se aproxima tanto quanto possível do poder de Deus, quando a clemência tempera a justiça" (p. 100)
Citações extraídas da seguinte versão da obra: SHAKESPEARE, William. O mercador de Veneza. (tradução de Fernando Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes) 2ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2013.
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