sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Constituição cidadã e a presunção de inocência

Dia 5 de outubro foi o aniversário da Constituição cidadã. São 28 anos desde sua promulgação. E, nas mídias sociais, muitos criticaram o Supremo Tribunal Federal – STF, pela postura adotada em 2016, no Habeas Corpus (HC) 126292/SP e Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, que deu novos limites ao princípio constitucional da presunção da inocência.

Segundo estas críticas, o STF, guardião do sistema normativo brasileiro, teria violado claramente a Constituição Federal pois que permitir o cumprimento da pena após decisão condenatória de segundo grau, ainda que o processo siga em recurso, seria rasgar o art. 5º, LVII, que diz : “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Ocorre que o texto constitucional deve ser interpretado em conjunto com todas as demais disposições que ele mesmo traz. Tratam-se de regras e princípios que balizam o ordenamento jurídico pátrio. Certo é que os princípios superam as regras, porque trazem maior valor axiológico.

Há discordâncias se o art. 5º, LVII, é uma regra ou princípio. De todo modo, se é regra, cabe ponderação a luz dos princípios do sistema. Se é princípio, havendo colisão com outro, cabe também ponderação a fim de determinar seu alcance e aplicabilidade.

Todo texto, conjunto de palavras, pontuações e expressões, passa por um processo de interpretação. Cabe, pois, ao intérprete, com toda sua bagagem intelectual e valores, o entendimento acerca do seu significado. Não se trata de uma relativização do conteúdo escrito, mas de divergências que efetivamente surgem. Tanto é que muitas vezes o texto da lei parece nítido para uns e obscuro para outros ou com muito ou menos significado.

Fato é que o STF interpreta a presunção de inocência como princípio e, nos casos mencionados, acabou por realizar uma mudança de entendimento da corte. Tais mudanças são normais no âmbito do STF, sendo inclusive permitido pela própria Constituição Federal, e são explicáveis porque de tempos em tempos o direito muda, assim como a sociedade em si e seus anseios. A propósito, o STF considerava possível a execução provisória da pena até 2009, ou seja, dentro da vigência da nossa atual constituição. Então teria havido violação de seu texto desde a promulgação em 1988 até esta data?

Para quem leu o voto do Ministro Teori Zavascki, relator do HC em questão, percebe que o STF busca adequação do texto constitucional à atual realidade da população brasileira, que quer se proteger de um caos, especialmente da falta de eficácia das decisões judiciais, em regra por conta de prescrição. Segundo o ministro, além do direito do acusado, deve-se tutelar o direito da sociedade, sendo que reconhece que existem decisões equivocadas na primeira instância e também nas extraordinárias, mas que isto não pode inibir a falta de efetividade das decisões.

Mais claro ainda é a citação do Ministro Teori com relação à lei da ficha-limpa, que impede políticos condenados em segunda instância, mesmo que da decisão ainda caiba recurso, a concorrer a cargos eletivos. Trata-se, neste caso, de nítida ponderação do mesmo princípio da presunção de inocência.

Também é necessário dizer que depois da segunda instância, os recursos visam preservar mais, em regra, o próprio sistema normativo, resolvendo conflito de dispositivos legais e suas interpretações.

Ante a isso, parece que o STF mais acertou do que errou. O entendimento exarado pela corte em 2009, defendendo a inocência até o trânsito em julgado dos recursos, vigente, pois, por 7 anos, era romântico por demais dentro do nosso sistema. Particularmente, se houvesse celeridade judicial, seria indubitavelmente o modo mais sensato prestigiar até o último momento processual o princípio da presunção da inocência. Mas é inegável que, no atual momento, o judiciário, com uma morosidade sem tamanho, que se encontra apinhado de processos, não consegue dar agilidade a estes, o que desprestigia o também princípio constitucional da razoável duração. Os processos devem se findar em prazo adequado para que a prestação jurisdicional seja efetiva.

Ainda, o princípio da segurança também há de ser contemplado na análise já que também é direito constitucional de todos. É inegável que o Brasil passa por um momento em que a população se sente acuada por conta de tanta criminalidade, e não são poucos os casos que passam impunes. Tal decisão do STF vem ao encontro a uma expectativa de justiça social.

E qual cidadão, sabendo que não poderá se esquivar de punição, ofenderia a lei? Inegável que é necessário investimento na área da segurança pública e no próprio poder judiciário. Os órgãos públicos têm muito a melhorar. Enquanto isso, o novo entendimento do STF deixa a esperança de uma sociedade mais responsável, onde os contraventores se sentirão mais acuados a praticar delitos. Não se pode partir do pressuposto que o judiciário erra sempre. As decisões merecem prestígio. 

Que o Brasil possa amadurecer! Constituição Federal, pelos seus 28 anos, parabéns!

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