sexta-feira, 3 de julho de 2015

A manobra de Cunha e o descaso do poder público

Um dilema tem tomado conta dos políticos brasileiros nos últimos dias: ser ou não ser a favor da redução da maioridade penal? Tanto é verdade que, em votações perecidas, na primeira, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta e, na segunda, acabou por aprovar o texto.

Eduardo Cunha (PMDB) manobrou e conseguiu ter a segunda votação favorável ao projeto. Acredito que a manobra, ainda que tenha faltado coerência ou respeito, deve ter possibilidade legal. Não penso que deva ter tomado uma atitude sem parecer jurídico da procuradoria legislativa. De toda forma, a controvérsia vai ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, caso ingressem com algum remédio jurídico.

Por outro lado, o que fazem nossas Excelências? Mudam de opinião em menos de 24h? Por que não obstruíram a pauta de votação?

Ainda que haja algum vício no ato de Cunha, já apelidado de pedalada regimental, este teve uma aprovação democrática no parlamento, o que é inegável.

Há quem interrogue se houve compra de votos. Penso ser muito improvável. Difícil seria, para os parlamentares, explicar para os 90% de brasileiros que defendem a redução da maioridade (pesquisa CNT/MDA) sobre não terem aprovado o projeto.

Tal decisão, ainda que referendada por diversas pesquisas de opinião, é difícil de se dar quando temos um Brasil subdesenvolvido, como o 12º mais violento do planeta, e, por outro prisma, sabe-se que a redução da maioridade penal não reflete na redução do índice criminal como resultado final.
Como o próprio Cunha afirmou, a proposta visa diminuir a “sensação de impunidade”.  Tal argumento se demonstra frágil, o que fará com que as instituições ressocializadoras sirvam, na verdade, como já vêm servindo, como depósito humano.

Aí a discussão se acentua e não há como não partirmos para o viés político da coisa. Se houvesse melhor educação e instituições que verdadeiramente promovessem a integração dos delinquentes em sociedade, a coisa seria diferente.

Aqui em Itajaí/SC, como exemplo, o CASEP (Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório) se encontra fechado para reformas. Os internos foram transferidos para outros Centros (provavelmente com condições precárias semelhantes). Já o Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí se encontra em bom estado, ainda que a parte do presídio, temporária, esteja já enfrentando problemas com superlotação.

A Ordem dos Advogados do Brasil, através de Comissão, esteve ontem no Presídio Regional de Blumenau e constatou uma estrutura deficiente, com infiltrações, pouca salubridade, etc.

Em suma, o poder público falha e muito. Reflexo disto é a atual aprovação do governo em 9%, índice mais baixo desde a promulgação da Constituição de 1988

De outro norte, quiçá, temos a raiz de todos os problemas: a educação. A Pátria Educadora parece não zelar, ou zelar pouco, pelas crianças e jovens. Além dos cortes orçamentários na área, atualmente a evasão escolar é alta e a qualidade do ensino é baixa. Relatório feito pelo Movimento Todos pela Educação informa que 680 mil crianças de 4 e 5 anos estão fora da escola e 1,6 milhão de jovens de 15 a 17 anos abandonaram o ensino escolar. Quando da conclusão do ensino médio, muitos falham na matemática e no português que são matérias básicas.

É preciso que tratemos os problemas na base, na infância, na família. É muito mais fácil frear a delinquência pela educação, pelo amor, do que pelo aprisionamento, pela dor.

Final das contas: se o sistema fosse bom o bastante, poderíamos ter alguma evolução social nesse sentido. Cada vez nos separamos mais enquanto teríamos de nos unir. Dividimo-nos com presídios, muros e grades. Quiçá possamos um dia ouvir, assim como nos últimos anos na Suécia, notícias de que presídios estão sendo fechados pela falta de apenados. A redução da maioridade só contribuirá com essa divisão. É a medida mais drástica para tentar solucionar o problema e, sendo a voz do povo, acredito que deva ser acatada. Mas que possamos ter em mente que, se o poder público continuar com esse descaso, o bem mais precioso das pessoas, que é a própria vida e a dignidade, continuarão perdendo as batalhas contra o mundo do crime.

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