Este foi o ano do medo. Nasceu junto à pandemia uma vontade de interferir na vida alheia de tal modo a tolher-lhe a liberdade. Lockdowns, e as mais diversas restrições, tudo com o objetivo, quiçá miraculoso, de salvar vidas.
A questão é que manipulou-se o Estado e a lei para trazer um ideal do qual foge da sua real razão de existir. A tirania sempre foi alvo dos sistemas jurídicos ocidentais modernos, cuja mitigação advém de uma série de mecanismos, seja pelo próprio controle judicial, parlamentar e as próprias eleições periódicas.
Nesse momento vemos o império da tirania ser exercido por todo corpo do establishment. No Brasil a exceção é o próprio Presidente da República que não acatou tal gestão, mas acabou engolido pelas instituições.
O que se coloca em jogo, para tentar encabrestar a humilde massa, é a soberana e irrefutável ciência que nunca erra, mas também nunca vai pagar qualquer prejuízo pela miserabilidade ascendente.
Por óbvio que a ciência é uma verdade transitória, cujas conclusões são postas em xeque tão logo criadas. É a essência do próprio avanço. Tão óbvio, portanto, é que se tenha um mínimo de ceticismo para não aceitar qualquer coisa, de qualquer jeito, com tamanho imediatismo, ao passo que também se está aberto ao novo.
Em pouco tempo já foi possível atestar erros grosseiros de previsões ditas científicas de milhares de mortos. Tudo isso não nos ficará claro no curto prazo, mas a história irá bem relatar estes fatos daqui talvez 20 anos.
Além destas constatações iniciais, deste momento pode-se extrair alguns fatos de forte impacto social, que podem servir para uma profunda reflexão:
1- Tempo. Talvez nunca tenhamos passado tanto tempo juntos, em família. É fato que muitos relacionamentos vieram a terminar no período, mas não é neste mal que quero me ater. Este momento serviu para um grande contato e fortalecimento dos laços conjugais e familiares.
Tempo para dizer “eu te amo”, jogar conversa fora, dar atenção e doar-se ao outro. Tempo para compartilhar os afazeres domésticos e até praticar divertimentos no âmbito do lar. Numa época de tantas distrações redescobrir o valor da família como célula mãe da sociedade é realmente fantástico.
2- Educação. Foi, e ainda é, desafiador ter as crianças e
jovens afastados do ambiente escolar e, quando muito com aulas à distância. A
grande frustração para as famílias foi o choque entre a dificuldade e até
impossibilidade, em alguns casos, do tal ensino à distância. Descobriu-se estar
realmente distante da educação. Frustração maior são as descobertas ante o
despreparo e até a completa incapacidade de lecionar o que quer que seja aos
seus filhos.
Lembremos que a educação compulsória a nível estatal veio a ser regra apenas nos últimos dois séculos. Houve, pois, uma terceirização da educação.
Daí que extraio mais um saldo positivo de tal momento. Nunca os pais tiveram tanto interesse em participar do processo educacional de seus filhos, nunca as lojas de brinquedos educativos (vide os montessorianos) venderam tanto, inclusive livros, apostilas e materiais para homeschooling.
Há um retorno, uma busca, das responsabilidades familiares frente ao processo educacional da prole. É um amadurecimento, um retorno para as bases, um verdadeiro desabrochar da caridade no seio familiar.
3- Fé. Uma das maiores agressões que as pessoas sofreram
foi relativa à prática da fé. O valor que era inalienável e inegociável passou
também a ser controlado seja para reuniões de culto seja para atos litúrgicos.
Para os católicos até obrigatoriedade de hóstias “pré-embaladas para uso
pessoal” foi determinado pelo Estado, o que é indubitavelmente um sacrilégio.
O momento leva a pensar na era das catacumbas, na era da perseguição aos cristãos. Viviam num submundo, às margens da sociedade. Não obstante, ao invés sufocar a fé, o que aconteceu é que foi revigorada, robustecida.
Orações em família ou individuais, leitura de livros religiosos, da Bíblia, a aquisição de itens sacros. Também lives, vídeos, artigos e até cursos online para falar de religiosidade e fortalecer a fé se proliferaram no mundo digital. A experiência de fé foi sem dúvidas aumentada durante este momento, o que é mais um saldo positivo.
G. K. Chesterton foi um jornalista, poeta e filósofo inglês. |
Por fim, parece-me que este período de pandemia é um convite à coragem. Chesterton diz que “o ambiente mais perigoso de todos é o ambiente de comodidade”. Por óbvio que comodidade pouco se teve, mas, como vimos, muitas pelejas, especialmente por parte daqueles que perderam trabalho e rendimentos. Mas, como diz o mesmo autor, “é fácil ser louco: é fácil ser herege. É sempre fácil deixar uma era ter sua cabeça; o difícil é manter a própria. É sempre fácil ser modernista, como é fácil ser esnobe. Ter caído em qualquer dessas declaradas armadilhas de erro e exagero os quais moda após moda e seita após seita prepararam ao longo do caminho histórico da cristandade, de fato, teria sido simples. É sempre simples cair; há uma infinidade de ângulos nos quais qualquer um cai, mas apenas um no qual permanece em pé”.
Que estas palavras de Chesterton nos sejam convite para permanecermos de pé e revigorarmos as virtudes que não são novas, mas velhas, ao passo que também são essenciais, e que precisam continuar a ser resgatadas com coragem, mesmo em meio ao medo e ao caos do atual momento.
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